Quadro complicaria cenário de déficit de médicos no País, que conta com 2,38 profissionais por mil habitantes concentrados em grandes centros urbanos
A soma das duas decisões recentes – uma tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e outra, pela Secretaria de Educação Superior, SESU do Ministério da Educação (MEC), – pode, na prática, inviabilizar a abertura de novas vagas para cursos de medicina privados no Brasil e até a própria política de chamamento público patrocinada pela Lei 12.871/2013.
De um lado, a Sesu incentivou o aumento de vagas e a oferta de novos cursos de medicina pelas Instituições Federais de Ensino, o que torna instável a oferta de vagas para novos editais e coloca em xeque a viabilidade de novos cursos privados. De outro, está a recém-anunciada decisão do Ministro Gilmar Mendes, do STF. Trata-se de resposta à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) da Associação de Universidades Particulares (ANUP), na qual a entidade defendia a abertura de novos cursos de Medicina apenas pelos critérios do Programa Mais Médicos.
O ministro acatou parcialmente o pedido, ao permitir que as Instituições de Educação Superior que já tenham liminares deferidas e a análise de documentos concluídas pela Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior – SERES/MEC possam seguir com o pedido de abertura de cursos de medicina, em uma decisão alinhada a argumento defendido fortemente pela Advocacia Geral da União.
Hoje centenas de instituições de ensino superior têm ações judiciais nas quais pleiteiam a abertura de cursos de medicina fora do Programa Mais Médicos e aquém de moratória estabelecida entre 2019 e 2023. O argumento das instituições para entrar com as ações para a abertura de novos cursos de medicina está calçada na ideia de que, independentemente da constitucionalidade da Lei do Mais Médicos, há compatibilidade na convivência com as autorizações de novos cursos por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
“A decisão do Ministro de modular a decisão foi muito sábia. Estamos felizes, pois ela implica uma vitória da ABRAFI, ao garantir a tramitação de, pelo menos, 120 processos de autorização de novos cursos de medicina, oriundos, em sua maioria, da utilização da Lei do SINAES, o que, em última análise, chancela o entendimento da ABRAFI de que Lei do Mais Médicos e Lei do SINAES não são excludentes, nem antagônicas. A decisão ajuda a sanar parcialmente a falta de médicos no Brasil principalmente em cidades do interior do País”, diz Paulo Chanan, presidente da Abrafi, Associação Brasileira das Faculdades, que reúne instituições de ensino superior de médio e pequeno portes de todo o País. “O que nos preocupa agora é a tentativa da SESU de inviabilizar as novas autorizações, com o aumento de vagas e cursos pelas Universidades Federais, sem alinhamento em relação ao posicionamento da AGU sobre a divisão de leitos existentes para os processos em andamento e para os eventuais munícipios que possam ser enquadrados pelos novos editais da Lei dos Mais Médicos,” completa.
A SERES/MEC, baseada numa orientação da Consultoria Jurídica – CONJUR/MEC, exposta na Cota 019/23 e na Nota 1497/2022, considera a razão de cinco leitos na região de saúde analisada, para cada nova vaga, quando vai expedir portaria de autorização de um novo curso de medicina. Dessa maneira, numa cidade com 100 leitos disponíveis, a SERES liberaria, no máximo, 20 novas vagas para novos cursos. O ponto é que a SESU, por meio do Ofício Circular nº 4/23, instruiu que as Instituições de Ensino Superior Federais avaliem com a máxima urgência a ampliação do número de vagas ofertadas e a abertura de novos cursos de medicina, já informando o quantitativo de vagas a ser colocada à disposição.
“É algo absurdo, na medida em que essa expansão buscada pela SESU tende a inviabilizar os novos cursos privados. Importante que se diga que a SESU propôs essa expansão sem um estudo de viabilidade técnica e sem apontar de onde virão os recursos para isso. É público que expansão de vagas e de cursos de medicina demandam investimentos elevadíssimos e compromissos normativos, especialmente na infraestrutura física, tecnológica e acadêmica. Na mesma medida, a SESU/MEC não aponta para abertura de concursos para contratação de novos professores médicos, já que a formação médica exige profissionais especializados. Independentemente de a IES ser pública ou privada, a educação médica precisa estar fundamentada em padrões e critérios de qualidade, que devem ser universais e igualitários,” complementa Chanan.
Segundo ele, em última análise, a decisão do STF, combinada com a ação da SESU ataca a saúde forma pesadíssima, de um lado, pela limitação do número de novos médicos e, de outro, por impedir que a expansão das escolas privadas alcance os rincões e a população mais carente, além de ignorar os elevados investimentos que já foram feitos pelas instituições privadas que tem sem processos de autorização em trâmite e em sintonia com a decisão do STF.