Entre madrugadas de estudo, perdas familiares e recomeços inesperados, a cirurgiã-dentista de Mogi das Cruzes construiu uma trajetória marcada por fé, disciplina e o desejo constante de seguir em frente
Há quem veja apenas o sorriso por trás do jaleco branco, mas por trás da serenidade de Maria Sonisllay Bezerra de Araujo há uma história de luta e recomeço, feita de noites em claro, orações silenciosas e coragem para não desistir. Nascida e criada em Mogi das Cruzes, ela começou a trabalhar aos 15 anos em um consultório odontológico pelo programa AMOA, como jovem aprendiz, e ali, ainda adolescente, aprendeu o que era responsabilidade, dedicação e entrega, foi também onde descobriu o quanto o trabalho pode ser transformador quando é feito com propósito.
Enquanto digitava fichas e atendia pacientes, sua vida familiar atravessava um período difícil, a irmã mais nova havia iniciado tratamento de diálise e a rotina da casa se reorganizou em torno dos cuidados dela, mesmo assim, Maria manteve o foco no trabalho e seguiu buscando caminhos, após o término do contrato, passou quatro anos em uma loja de aviamentos, conciliando o serviço com o curso técnico em administração que concluiu sozinha, depois de ver as amigas desistirem, “aprendi cedo que a persistência é o que separa quem sonha de quem realiza”, relembra com doçura.
Com o diploma em mãos, seguiu para um centro de radiologia odontológica, onde trabalhou nos bastidores da área de saúde, separando documentos, embalando exames e organizando o envio para consultórios, função que exigia disciplina e atenção, virtudes que mais tarde se tornariam essenciais na carreira de cirurgiã. Foi ali que começou a se encantar pelo ambiente clínico e a imaginar que talvez aquele universo pudesse ser seu também, um pensamento que se consolidou quando passou a trabalhar em um ambulatório médico com diversos especialistas, observando de perto o impacto que o cuidado tem na vida das pessoas.
Mesmo assim, o caminho até a odontologia parecia distante, o pai pedreiro e a mãe do lar faziam o possível para manter a casa, mas cursar uma faculdade cara era algo fora da realidade, foi então que Maria decidiu se inscrever no FIES e, aprovada, iniciou o curso de odontologia com fé e planejamento, sabia que não seria fácil, mas acreditava que a constância venceria o cansaço. A rotina era exaustiva, acordava antes das seis, trabalhava o dia inteiro, estudava à noite e chegava em casa à meia-noite, aos finais de semana, pegava estrada para revezar com o pai os cuidados da irmã internada, “tinha dias em que eu só pedia força, não sabia se comia, se dormia ou se chorava, mas sabia que precisava continuar”, recorda emocionada.
Faltando um ano para a formatura, a vida trouxe outro golpe, o pai foi diagnosticado com câncer e iniciou um tratamento agressivo que abalou a família, enquanto ele lutava, ela se dividia entre provas, hospitais e responsabilidades, sustentando o corpo com café e a alma com fé. Mesmo diante do luto e do esgotamento, formou-se e iniciou a carreira com a mesma determinação de sempre, mesmo sem recursos para se especializar, nunca deixou de buscar atualização, especialmente na área cirúrgica, pela qual sempre teve afinidade, e em 2018, quando o pai faleceu, decidiu transformar a dor em impulso, “perder meu pai foi como perder o chão, mas foi também o momento em que entendi que precisava continuar por ele”, diz.
Dois anos depois, em meio à pandemia, resolveu recomeçar mais uma vez e abrir um consultório com uma colega em Mogi das Cruzes, o salão alugado não tinha divisórias, nem estrutura adequada, mas com ajuda da mãe e das irmãs, ergueu paredes de drywall, pintou, lixou e montou o espaço com as próprias mãos, “foi um trabalho de formiguinha, um sonho feito de esforço e poeira, mas cheio de amor”, lembra com orgulho. O consultório funcionou por um tempo e, apesar das dificuldades, foi símbolo de superação e aprendizado, até que a sociedade precisou ser encerrada, decisão que trouxe tristeza, mas também amadurecimento, e desde então, ela mantém vivo o desejo de um novo espaço, estruturado com a sua essência.

Hoje, aos 34 anos, segue atuando como cirurgiã-dentista com o mesmo comprometimento de quem nunca se afastou da linha de frente, dedicando-se ao atendimento clínico e ao aprimoramento constante, a persistência que a fez resistir ao tempo e às perdas continua sendo o alicerce da sua prática, agora fortalecida pela maturidade e pela empatia. O futuro, segundo ela, é um capítulo em construção, que une tecnologia, humanização e ensino, em um movimento que vai muito além do bisturi, “a odontologia me ensinou que recomeçar é uma escolha diária, e é nessa constância que encontro meu propósito”, reflete.
Na história de Maria Sonisllay, a persistência nunca foi um ato de teimosia, mas um gesto de fé, cada etapa vencida, cada lágrima transformada em força e cada conquista construída com as próprias mãos mostram que não há sucesso sem entrega, e é justamente nessa entrega silenciosa, feita longe dos holofotes, que mora a essência da sua trajetória. Entre bisturis, livros e sonhos, ela segue provando que a verdadeira vitória está em permanecer firme, mesmo quando o caminho parece desabar, porque quem aprende a resistir aprende também a inspirar.
Texto criado por Nathalia Pimenta
Supervisão jornalística aprovada por Radija Matos