Governo federal arrecada como nunca, mas continua gastando além da conta. Especialistas alertam que sem cortes estruturais, não há arrecadação que resolva o desequilíbrio crônico das contas públicas.
A economia brasileira vem registrando, mês após mês, recordes históricos de arrecadação tributária. De janeiro a maio de 2025, foram mais de R$ 1,19 trilhão arrecadados, o maior valor já computado para o período desde o início da série histórica em 1995. Apenas em maio, foram R$ 230,1 bilhões em receitas federais, com alta real de 7,6% sobre o mesmo mês do ano passado.
Apesar disso, o discurso do governo é de escassez. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a afirmar que a derrubada do aumento do IOF pelo Congresso poderia provocar a paralisação da máquina pública, devido à necessidade de novos cortes emergenciais.
A declaração causou perplexidade. Afinal, como um governo que arrecada valores recordes pode alegar que não tem mais dinheiro? A resposta está nos números que a retórica oficial evita destacar: o gasto público cresce mais do que a arrecadação.
Receita cresce, mas despesa cresce ainda mais
Enquanto os números da Receita Federal impressionam, os dados do Tesouro e do Banco Central revelam uma realidade inquietante. Em maio de 2025, o setor público gastou R$ 125,9 bilhões a mais do que arrecadou, quando considerado o resultado nominal, que inclui o pagamento de juros da dívida. Deste montante, R$ 92 bilhões foram destinados exclusivamente a juros.
Mesmo o resultado primário, que exclui os juros, ainda apresenta déficit significativo quando se analisa apenas o governo central. Segundo o próprio Ministério da Fazenda, sem aumento de receita ou corte de despesas, não há como cumprir a meta de déficit primário zero para este ano.
O alvo errado: arrecadar mais ou gastar melhor?
Para o especialista em finanças e mestre em negócios internacionais André Charone, o governo insiste em focar no aumento de arrecadação, enquanto evita discutir o ponto mais sensível e impopular: a redução dos gastos públicos obrigatórios.
“A arrecadação vem batendo recordes, mas a despesa obrigatória consome tudo, e mais um pouco. O problema não está em arrecadar pouco, e sim em gastar mal e gastar demais. O Estado brasileiro tem um padrão de gasto que não cabe no PIB”, afirma Charone.
Segundo ele, o risco de paralisação da máquina pública alegado pelo governo revela mais um problema de gestão e planejamento do que propriamente falta de recursos.
“Quando se gasta mal, nem o recorde de receita basta. O orçamento é tragado por compromissos com folha, previdência, emendas e juros. O governo parece administrar sob chantagem fiscal: ou aprovam mais tributo, ou cortamos serviços essenciais. Isso é inversão total de prioridades”, critica.
Estrutura engessada, resistência a reformas
O orçamento público federal é composto majoritariamente por despesas obrigatórias, que representam mais de 93% do total em 2025. Entre elas estão aposentadorias, salários do funcionalismo, benefícios sociais e repasses constitucionais.
A margem para corte está, portanto, em uma fração pequena do orçamento, justamente a que sofre contingenciamento sempre que há frustração de receita.
A reforma administrativa, que poderia reestruturar o peso da máquina pública no longo prazo, segue engavetada. Enquanto isso, benefícios para o alto funcionalismo e projetos que aumentam o número de parlamentares continuam sendo autorizados, pressionando ainda mais as contas públicas.
“É óbvio que os serviços públicos são fundamentais, mas o Estado precisa fazer o que famílias e empresas já fazem há tempos: revisar contratos, cortar excessos, eliminar privilégios e priorizar o que é essencial. Sem isso, a arrecadação será sempre insuficiente, não importa quanto cresça”, alerta Charone.
Perspectivas: dívida crescente e equilíbrio frágil
A dívida bruta brasileira subiu para 76,1% do PIB em maio e deve ultrapassar os 80% até 2026, segundo projeções do Ipea. Já o déficit nominal segue elevado, acima de 7,5% do PIB, comprometendo a confiança do mercado e o espaço para investimentos públicos.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) estima que o governo encerrará 2025 com um déficit primário de R$ 83,1 bilhões, dentro da margem legal, mas ainda preocupante diante do tamanho da dívida e da rigidez estrutural do orçamento.
Não falta dinheiro falta gestão
O Brasil vive um desequilíbrio que não se resolve com mais impostos. O problema não é arrecadar pouco, é gastar mal. E, se não houver coragem política para enfrentar os interesses que capturam o orçamento público, o país seguirá no ciclo vicioso de criar novas receitas para alimentar velhas despesas.
Recordes de arrecadação são manchete. Mas são cortes de gastos que equilibram a conta.
Sobre o autor:
André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).
É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e dezenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional.
André lançou recentemente o livro ‘A Verdade Sobre o Dinheiro: Lições de Finanças para o Seu Dia a Dia’, um guia prático e acessível para quem deseja alcançar a estabilidade financeira sem fórmulas mágicas ou promessas de enriquecimento fácil.
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