Cristine Lima dos Santos, que assina um dos capítulos do livro sobre violência doméstica, faz um bate-papo exclusivo falando sobre como as mulheres devem lidar com a situação em casa e até no trabalho
Atuante na Psicologia há quase 30 anos, a psicóloga Cristine Lima dos Santos sentiu que também é hora de colocar em livros a sua experiência profissional.
Então, além de ser coautora da obra “Mulheres Invisíveis”, lançado nesse ano sobre violência contra a mulher, ela agora encara a coordenação editorial de mais um livro: “Como cuidar da Ansiedade”, com previsão de lançamento para 2022.
Mas falando nas altas taxas de violência sofrida por mulheres, com os casos praticamente dobrando os números durante a pandemia, nós conversamos exclusivamente com a coautora.
E nesse bate-papo ela explica mais sobre como detectar um agressor, o que leva mulheres a se submeterem a situações assim, como proceder diante desses casos e muito mais.
Confira!
Quais os sinais “clássicos” de que uma relação é abusiva?
Cristine Lima dos Santos – Entenda a relação abusiva de uma forma mais ampla, porque não é somente a violência física ou sexual que lhe dá essa conotação, ela pode se apresentar de maneira mais sutil.
Geralmente, o agressor inicia com o lado psicológico, já que primeiro ocorre a sedução, a conquista para que a pessoa se encante, se apaixone.
Após perceber o envolvimento e a dependência emocional, o abusador começa a atacar com questões que parecem comuns nas relações, como controle de horários (“Onde vai?”, “Por que demorou?”), ciúmes frequentes e sem motivo (criar situações inexistentes) , afastamento dos amigos e parentes (isolamento social, evita contato e quando acontece, sempre ocorre briga por motivos inexistentes), invasão de privacidade (como do celular, redes sociais, conta bancária), manipulação ( para o outro fazer o que o abusador quer), chantagem emocional (se coloca no papel de vítima para alcançar o que deseja ou envolve os filhos, responsabilizando o outro pelas reações agressivas), controle na liberdade (de ir e vir ou nas vestimentas), abuso patrimonial (gastos excessivos, falência, dependência econômica), sexual (estupro, fica muito irritado ou ainda ameaça com traição), críticas destrutivas (invalidação dos sentimentos, da pessoa, ignorando, rebaixando sua autoestima, ridicularizando suas opiniões e gostos).
“Geralmente, o agressor inicia com o lado psicológico, já que primeiro ocorre a sedução, a conquista para que a pessoa se encante, se apaixone”.
E quando ela passa a ser uma violência doméstica, o que pode ser apontado como esses sinais?
Cristine – De forma geral, os itens apontados acima são considerados violência doméstica, entretanto, a diferença é a forma, pois inicia-se com atitudes mais sutis.
Então, essas vão se avançando conforme o companheiro percebe que a reação do outro é de recuo, notando o medo e a submissão, dando mais segurança e poder para o outro.
Quando o agressor está “empoderado”, começa a se utilizar de posturas mais agressivas para conseguir o que deseja e fazer com que a submissão se torne total.
Toda violência doméstica um dia foi uma relação abusiva ou não necessariamente?
Cristine – Um companheiro não se torna agressivo ou abusivo de um dia para o outro.
Com certeza ele já possuía esse perfil, só não se manifestava pois o aspecto inicial é sempre o do sedutor, tanto é que apesar de usar de violência, agressão ou de manipulações, a companheira ainda permanece na relação justamente pelo lado sedutor.
Isso porque quando percebe que existe a ameaça de evasão ou uma atitude negativa extrema da companheira, ele recorre à sedução com desculpas, flores, mimos entre outros, conhecido como “Círculo da Violência”.
Além disso, o opressor leva o abusado a acreditar que esse tipo de relação é o melhor que pode conquistar.
No caso do ambiente de trabalho, o que a mulher pode levar em consideração para saber que está em um ambiente machista, tóxico e recorrer aos seus superiores?
Cristine – Vamos pensar que a empresa tem uma filosofia e se existem funcionários com o perfil machista, a empresa passa a ser conivente com este tipo de postura.
Podemos concluir que a mulher que está passando por assédio não poderá contar muito com seus superiores para impedir ou eliminar esta problemática, porém, não se deve calar diante das atitudes abusivas.
No mundo corporativo e, dependendo do nível da empresa, os relacionamentos tóxicos podem ser mais sutis por conta das habilidades mais refinadas, por isso, sempre comece exercitando a observação, porque os comportamentos se repetem.
Perceba se ocorre hostilidade, o ignorar da presença, excluir de reuniões, abuso de poder, repressão, conduta manipuladora, ameaças, sentir-se sempre em alerta por se sentir ameaçada, ter autonomia limitada, palavras ou atitudes agressivas e pressão em demasia são alguns exemplos.
Temos algumas mais grosseiras, como orientar um trabalho de forma errônea ou sem explicação para prejudicar, atribuir erros imaginários, proibir colegas de falar ou estar na companhia dele, retirar instrumentos de trabalho, exigir horários injustificados, fazer brincadeiras ou críticas de mau gosto, perseguições da chefia etc.
Essas ameaças podem atingir de modo físico, emocional ou psicológico, levando a pessoa ao declínio de sua produtividade, depressão, ansiedade crônica ou doenças físicas.
“Em um nível corporativo, procure inicialmente juntar provas como e-mails, salve conversas, grave falas abusivas, procure o RH da empresa, o seu superior e, por fim, se achar necessário, faça uma denúncia ao Ministério Público ou Sindicato”.
Muitas mulheres, tanto no ambiente de trabalho, como em casa, ainda se aceitam em situações de assédio moral, sexual etc. Por quê?
Cristine – Hoje há vários caminhos onde a mulher pode ser amparada e ajudada, seja na empresa ou no relacionamento conjugal.
Em um nível corporativo, procure inicialmente juntar provas como e-mails, salve conversas, grave falas abusivas, procure o RH da empresa, o seu superior e, por fim, se achar necessário, faça uma denúncia ao Ministério Público ou Sindicato.
Quando falamos no relacionamento íntimo, o ponta pé inicial é saber que você não está sozinha!
Existem alguns órgãos da Prefeitura que oferecem serviços de proteção à mulher que sofrem de violência e são sigilosos.
Alguns deles são os CRAS (Centros de Referência da Assistência Social), CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social).
O Centro de Defesa e de Convivência da Mulher (CDCM) oferece proteção e apoio, a rede socio-assistencial, 15 unidades com mais de mil vagas, proporcionando atendimento social, orientação psicológica e encaminhamento jurídico.
Qual o principal ou “empurrão” que a mulher deve dar para sair dessa situação? E como as pessoas podem ajudar (se isso for possível), caso ela não queira se ajudar por algum motivo?
Cristine – Agora, você, que tem uma amiga, colega, vizinha, parente e percebe que essas dinâmicas estão acontecendo ao seu lado, ajude!
Oriente, converse, dê uma leitura e elucide, pois geralmente a pessoa não percebe por que está muito envolvida nisso tudo e também bastante fragilizada, acreditando que é a única culpada por receber esse tipo de abuso.
Você sabia que o assédio ou o abuso são crimes no Brasil? Sim, desde 2001 e podem gerar até dois anos de prisão para o praticante! Ligue 180 para denunciar vítimas de violência doméstica.
Cristine Lima dos Santos é psicóloga clínica e hospitalar, além de diretora da Clínica Eubiose Integração Em Saúde.
Também é coautora e coordenadora editorial do livro “Como cuidar da Ansiedade”, que está em fase de captação de coautores e deve ser lançado em 2022.
Saiba mais: @cristine.psicologia – (11) 99710-0663