Entre sirenes, silêncios e reencontros, um brasileiro redefine o que é, afinal, salvar alguém — e ensina que o verdadeiro resgate começa onde termina o aplauso.
Quando as águas baixam, os holofotes se apagam. O helicóptero parte, as equipes se recolhem, e a cidade — ou o que sobrou dela — tenta lembrar como era respirar antes do medo. É nesse instante, quando o mundo vira a página, que Leonardo Costa Pereira chega. Ou, na verdade, permanece.
Mineiro de fala mansa e passos firmes, Leonardo é uma daquelas presenças que não se impõem, mas que fazem falta quando se vão. Fisioterapeuta de formação, bombeiro militar por escolha estratégica e humanitário por essência, ele construiu uma carreira onde a fronteira entre o salvamento e a reabilitação simplesmente não existe.
“Salvar é interromper a morte. Mas cuidar… cuidar é ensinar a vida de novo”, diz, como quem já fez isso muitas vezes — e fez.
Leonardo esteve onde o Brasil que sangra se expõe: nas barragens rompidas de Mariana e Brumadinho, nas águas que engoliram o Rio Grande do Sul, no terremoto que varreu cidades na Turquia, no rastro deixado pelos ciclones em Moçambique. Em cada uma dessas geografias de dor, ele não apenas resgatou corpos — resgatou histórias, gestos, vínculos.
Mas sua inquietação ia além do instante dramático da emergência. Foi ao ver vítimas “salvas” afundarem dias depois em sequelas físicas e abandono que decidiu que algo precisava mudar. E mudou.
Unindo o saber clínico ao chão do desastre, Leonardo fundiu duas disciplinas que raramente se conversam: o socorro emergencial e a reabilitação física. Onde o sistema via alta, ele via continuidade. Onde o protocolo encerrava, ele abria espaço para o recomeço.

Seu trabalho mais recente, porém, revela o alcance da sua visão: um projeto de terapia assistida por cães voltado a crianças neurodivergentes em comunidades vulneráveis. Cães antes treinados para localizar vítimas sob escombros agora ajudam a despertar sorrisos, movimentos e conexões em crianças com autismo e TDAH.
“O animal chega antes da linguagem. Ele atravessa o ruído e alcança o que a palavra não toca”, resume Leonardo, que desenvolveu o modelo em parceria com educadores comunitários. O programa não só estimula as crianças, mas capacita professores, cuidadores e familiares com ferramentas reais, práticas — pensadas para funcionar onde faltam recursos, mas sobram necessidades.
E é esse o traço mais marcante da sua abordagem: a aplicabilidade. Leonardo não desenha soluções de gabinete. Ele simplifica, traduz, adapta. Constrói manuais que cabem no bolso, técnicas que cabem em contextos extremos. Seus cursos de formação já alcançaram corporações em diversos estados brasileiros e integram missões de ajuda internacional com um diferencial raro: a empatia aplicada como método.
Leonardo sabe que velocidade salva. Mas também sabe que o toque certo, no tempo certo, pode evitar uma cadeira de rodas, uma dor crônica, uma desistência silenciosa. E que a coragem não mora só no resgate dramático, mas também no retorno persistente aos lugares onde ninguém mais quer voltar.

Hoje, seu nome começa a circular não apenas entre bombeiros e fisioterapeutas, mas em rodas onde se discutem políticas públicas, inovação social e modelos de resposta sistêmica em zonas de crise. Sem pretensão de protagonismo, Leonardo se tornou referência — não por querer ser exemplo, mas por se recusar a ser exceção.
“Eu só quero que funcione. Que faça sentido. Que alguém possa continuar o que começamos, mesmo depois que eu partir.”
Em um país acostumado a tratar tragédias como episódios isolados, Leonardo Costa Pereira nos lembra que toda vida salva precisa — e merece — ser sustentada. Que o resgate não é o fim da história. É o começo. E que às vezes, entre a lama e a dignidade, basta alguém que decida ficar.